A importância do RDC-ARQ (repositório arquivístico digital confiável) para o judiciário

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A importância do RDC-ARQ (repositório arquivístico digital confiável) para o judiciário

Artigo publicado na revista ANDES (Associação Nacional de Desembargadores) Edição Nº5

RESUMO

O presente artigo discute a relevância dos Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-ARQ) para o Poder Judiciário brasileiro. Parte-se da definição técnico normativa do RDC-ARQ e de suas diretrizes, para em seguida analisar impactos práticos sobre preservação digital, garantia da autenticidade, eficiência administrativa e transparência judicial. São identificados benefícios (preservação a longo prazo, integridade e rastreabilidade dos documentos, suporte à tomada de decisão e à responsabilização) e desafios (capacitação, infraestrutura tecnológica, política de governança e compatibilização normativa). Conclui-se que adoção estratégica do RDC-ARQ pelos tribunais constitui elemento central para a modernização da gestão documental e para o fortalecimento da segurança jurídica, sendo indispensável investimentos contínuos em
pessoas, processos e tecnologia.

Palavras-chave: RDC-ARQ; preservação digital; Judiciário; autenticidade; gestão documental.

INTRODUÇÃO

A digitalização massiva de documentos no âmbito púbico impõe à Administração a necessidade de garantir que a informação digital permaneça autêntica, íntegra, acessível e utilizável ao longo do tempo. No Brasil, as Diretrizes para Implementação de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis — RDC-Arq — foram formalizadas com o objetivo de orientar órgãos e instituições quanto aos requisitos técnicos e organizacionais para a preservação digital arquivística. Essas diretrizes tornam-se particularmente relevantes para o Poder Judiciário, instituição que lida com elevada produção documental e cuja atuação depende diretamente da confiança nos registros e na cadeia de custódia dos documentos. A Consolidação dessas práticas contribui para a segurança jurídica, para a eficiência administrativa e para a transparência frente aos jurisdicionados. Fundamentação teórica e normativa sobre o RDC-ARQ

O RDC-ARQ, definido por resoluções e diretrizes nacionais, descreve requisitos mínimos para que um repositório digital seja considerado arquivístico e confiável. Entre os elementos centrais destacam-se: políticas e procedimentos documentados de preservação; gestão de metadados arquivísticos; infraestrutura organizacional e tecnológica resiliente; segurança da informação; gestão de riscos; e mecanismos que assegurem autenticidade, integridade, preservação e acesso aos objetos digitais ao longo do tempo. A concepção do RDC-ARQ está alinhada com modelos e normas internacionais (por exemplo, OAIS/TRAC/ISO) e com a necessidade de observância das leis arquivísticas brasileiras.
No plano normativo nacional, o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) e o Arquivo Nacional têm
desempenhado papel central na elaboração e divulgação das diretrizes RDC-ARQ, recomendando sua adoção por órgãos integrantes do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR). Essas diretrizes orientam a construção de ambientes capazes de receber documentos nas fases corrente, intermediária e permanente.

No âmbito do Poder Judiciário, o ciclo de vida documental exige que documentos, sejam eles físicos ou digitais, permaneçam acessíveis por prazos frequentemente extensos, decorrentes de prescrições legais, revisões processuais e, em alguns casos, guarda permanente. Para atender a esses requisitos, o modelo de Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-Arq), preconizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), estabelece a adoção de políticas e procedimentos técnicos que assegurem a preservação digital de longo prazo, contemplando estratégias como migração de formatos, normalização para formatos de preservação e emulação de ambientes (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2019; BRASIL, 2018).

Essas práticas encontram respaldo na NBR ISO 14721:2019 – que descreve o modelo de referência OAIS (Open Archival Information System) – e na NBR ISO 16363:2020, que trata da auditoria e certificação de repositórios digitais confiáveis, bem como na Resolução CNJ no 324/2020, que obriga a implementação de políticas de gestão documental e preservação de documentos digitais no Judiciário. Ao impor a fixação de formatos sustentáveis (como PDF/A, TIFF, XML), o uso de metadados de preservação (METS, PREMIS) e a definição de planos de ação para manutenção da legibilidade e autenticidade, o RDC-Arq mitiga riscos associados à obsolescência tecnológica. A ausência dessas políticas e mecanismos de preservação representa risco significativo: perda de valor probatório, aumento de litígios e comprometimento da segurança jurídica. Isso se deve ao fato de que documentos produzidos em tecnologias hoje correntes podem se tornar ilegíveis ou inutilizáveis no futuro se não houver processos sistemáticos de preservação e monitoramento de integridade. Assim, a adesão aos requisitos do RDC-Arq não é apenas uma boa prática arquivística, mas um imperativo legal e técnico para garantir a continuidade do acesso e a confiabilidade da informação ao longo de todo o seu ciclo de vida.
No contexto do Poder Judiciário, a preservação e a proteção de documentos devem ser conciliadas
com os princípios constitucionais da publicidade e do acesso à informação (BRASIL, 1988; BRASIL, 2011).

Um Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq) implementado conforme as diretrizes do CONARQ estabelece políticas claras de controle de acesso, classificação por grau de sigilo e procedimentos de divulgação, alinhados à Lei de Acesso à Informação – Lei no 12.527/2011 e à Resolução CNJ no 324/2020. Isso permite que documentos públicos sejam efetivamente disponibilizados de forma ampla, enquanto informações sensíveis permanecem protegidas de acordo com as restrições legais. Ao assegurar a gestão criteriosa da difusão documental, o RDC-Arq promove a prestação de contas (accountability) e reforça a confiança social nas instituições judiciais, em consonância com as orientações da NBR ISO 15489-1:2018 sobre gestão de documentos e transparência institucional (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2018).

A infraestrutura organizacional prevista pelo RDC-Arq exige a definição explícita de papéis, responsabilidades e mecanismos de auditoria. No Judiciário, essa clareza normativa e procedimental ampara processos de correição, sindicância, auditorias externas e responsabilização administrativa, fortalecendo a governança documental. A NBR ISO 16363:2020 e o próprio Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil (CONARQ, 2011) destacam que trilhas de auditoria, registros de preservação (logs) e documentação de processos são elementos centrais para comprovar autenticidade e integridade, contribuindo para a efetividade do Estado de Direito. Portanto, o RDC-Arq deve ser compreendido não apenas como solução tecnológica, mas como um sistema de governança arquivística, integrando segurança da informação, conformidade legal e responsabilidade institucional.

Apesar dos benefícios, a implementação do RDC-Arq no Judiciário enfrenta barreiras significativas:

  1. Investimento inicial em infraestrutura tecnológica e capacitação de
    pessoal especializado;
  2. Integração com sistemas processuais eletrônicos já consolidados, como
    o PJe;
  3. Adequação de políticas institucionais e normativas internas às diretrizes do CONARQ;
  4. Resistência cultural à mudança de fluxos de trabalho;
  5. Demandas de interoperabilidade entre órgãos e instituições.
  6. A literatura especializada e experiências institucionais (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2019; YEO; SHEPHERD, 2020) indicam que a adoção de estratégias como implementação modular, projetos piloto e planos de transição gradual pode reduzir riscos e gerar resultados mensuráveis no curto prazo, favorecendo o engajamento interno e a sustentabilidade do projeto.

CONCLUSÃO

O Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq) é um instrumento estratégico para a gestão documental e a preservação digital no Judiciário contemporâneo. Ao garantir autenticidade, integridade, preservação e acesso de longo prazo, ele fortalece a segurança jurídica, incrementa a eficiência administrativa e amplia a transparência institucional. Para alcançar sua plena efetividade, é imprescindível estabelecer políticas robustas de governança, investir em capacitação continuada, prover infraestrutura tecnológica adequada e assegurar a interoperabilidade com sistemas processuais. Recomenda-se que os tribunais incorporem o RDC-Arq em seus planos estratégicos de preservação digital, definindo indicadores de desempenho e promovendo cooperação técnica com o Arquivo Nacional e demais órgãos que já implementaram boas práticas. Em última análise, o RDC-Arq não apenas protege a memória institucional, mas também sustenta a prestação jurisdicional legítima e reforça a confiança pública no Poder Judiciário.

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14721:2019 – Sistemas espaciais de
dados e informações – Modelo de referência para um Sistema Aberto de Informação de Arquivo (OAIS).
Rio de Janeiro: ABNT, 2019.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 15489-1:2018 – Informação e docu-
mentação – Gestão de documentos – Parte 1: Conceitos e princípios. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 16363:2020 – Auditoria e certificação
de repositórios digitais confiáveis. Rio de Janeiro: ABNT, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da Repú-
blica, 1988.

BRASIL. Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto na Cons-
tituição Federal. Brasília, DF, 2011.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução no 324, de 30 de junho de 2020. Dispõe sobre a
gestão e a preservação de documentos arquivísticos digitais no âmbito do Poder Judiciário. Brasília,
DF, 2020.

CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Requisitos para Repositórios Arquivísticos Digitais Confiá-
veis – RDC-Arq. Rio de Janeiro: CONARQ, 2019.

CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de
Gestão Arquivística de Documentos – e-ARQ Brasil. Rio de Janeiro: CONARQ, 2011.
YEO, Geoffrey; SHEPHERD, Elizabeth. Managing Records: A Handbook of Principles and Practice. 2.
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